Porque hoje é Sábado...


Carta aos eleitores do Círculo eleitoral de Sintra

“Somos uma pobre gente, que apenas conhecemos as nossas necessidades, e queremos por mandatário quem também as conheça e que nelas tenha parte; quem seja verdadeiro intérprete dos nossos desejos, das nossas esperanças, dos nossos agravos. Se os deputados dos outros círculos procederem de uma escolha análoga, entendemos que as opiniões triunfantes no parlamento representarão a satisfação dos desejos, o complemento das esperanças, a reparação dos agravos da verdadeira maioria nacional sem que isto obste a que se atenda aos interesses da minoria, que aí se acharão representados e defendidos como se representa e defende uma causa própria.
(...)

A centralização, na cópia portuguesa, como hoje existe e como a sofremos, é o fideicomisso legado pelo absolutismo aos governos representativos, mas enriquecido, exagerado; é, desculpai-me a frase, o absolutismo liberal. A diferença está nisto: dantes os frutos que dá o predomínio da centralização supunha-se colhê-los um homem chamado rei: hoje colhem-nos seis ou sete homens chamados ministros. Dantes os cortesãos repartiam entre si esses frutos, e diziam ao rei que tudo era dele e para ele: hoje os ministros reservam-nos para si ou distribuem-nos pelos que lhes servem de voz, de braços, de mãos; pelo partido que os defende, e dizem depois que tudo é do país, pelo país, e para o país. E não mentem. O país de que falam é o seu país nominal; é a sua clientela, o seu funcionalismo; é o próprio governo; é a tradução moderna da frase de Luís XIV -l'état c'est moi, menos a sinceridade.
(...)

Depois, quando alguém, que acidentalmente se ache no meio de vós, sem casa, sem bens, sem família, sem indústria destinada a aumentar com vantagem própria a riqueza comum, e só porque o seu talher na mesa do tributo ficou posto para esse lado, se mostrar .demasiado solícito em nobilitar o vosso voto pela escolha de algum célebre estadista, em que talvez nunca ouvistes falar, ou em livrar-vos de elegerdes algum mau cidadão, cujas malfeitorias escutais da sua boca pela primeira vez, voltai-lhe as costas. Padre, militar, magistrado, funcionário civil, seja quem for, esse homem que tanto se agita, aflito pela vossa honra eleitoral, pelos vossos acertos ou desacertos políticos, pode ser um partidário ardente e desinteressado; mas é mais provável que seja um hipócrita, um miserável, que já tenha na algibeira o preço do vosso ludíbrio, ou que, por serviços abjectos, espere obter, ou dos que são governo, ou dos que querem fazer o imenso sacrifício de o serem, a realização de ambições que a consciência lhe não legitima, e acerca das quais só podeis saber uma coisa: é que as haveis de pagar.(...)"

Alexandre Herculano, Deputado eleito por Sintra em 1858 

*Excerto da "Carta aos Eleitores do Círculo Eleitoral de Sintra"

Comentários

Graça Sampaio disse…
Maravilha...

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